Essa
semana eu e Neha fomos comprar blusas. Fomos em lojas com roupas mais modernas,
onde você entra de sapato, tem um balcão, e vendedores em pé atrás do balcão.
Ainda assim todas as roupas ficam embrulhadas em saquinhos, então você depende
do vendedor ir te mostrando. O vendedor geralmente desembrulha muito mais
roupas do que eu tenho interesse de ver, mas como independente do que eu fale
ele não para, ficamos por isso mesmo. As lojas não tem espaço para provar,
então as pessoas ou compram sem provar ou levam a roupa pra casa e depois
retornam.
Eu
estava procurando um qurta pra comprar, que é como uma bata comprida até o
joelho, aberta na lateral, que se usa com legging. As mulheres que não usam
sari geralmente usam qurta, é uma roupa tradicional mas é mais prática que o
sari, o corpo fica protegido, e pra mim é uma forma de eu ficar mais disfarçada
aqui. A legging é ótima porque é 10 vezes mais fresca e confortável do que a
calça jeans. Aqui não se usa perna de fora nunca, vejo mulheres de barriga de
fora, de ombro e braços descobertos, mas da cintura pra baixo está sempre tudo
coberto, homens também, ninguém usa short ou bermuda.
Esse
qurta que eu comprei é uma bata sem mangas, o tecido das mangas vem solto, caso
você queira incluir mangas. Já vi muitas outras roupas assim por aqui, vestidos
e qurtas que acabam no ombro mas vem com o tecido para a manga. Eu queria com
mangas, então comprei a qurta, levei pra casa provei, gostei, decidi que queria
as mangas, voltei no dia seguinte para eles costurarem as mangas, e hoje vou lá
de novo pegar o resultado final. Significa que eu fui 3 vezes na mesma loja pra
conseguir comprar uma blusa.
Nesse
mesmo dia, fui em outra loja com a Neha. A loja também não tinha provador, e
era esse mesmo esquema das roupas em saquinhos, então a Neha selecionou umas 10
blusas, levou todas pra casa, provou, e no dia seguinte foi lá devolver 9 e
comprar uma. Eu fiquei pensando, será que ela pode não comprar nenhuma? Depois
de ter levado todas pra casa? Não saquei qual é a etiqueta de uma situação dessas, mas a sensação que eu tenho aqui é que a partir do momento que você entrar na loja,
significa que você vai comprar alguma coisa. Ninguém entra só pra olhar, como a
gente faz no ocidente, e os vendedores parecem meio chateados se você entra e
vai embora. A sorte é que eu passo ilesa desse constrangimento com o meu disfarce de turista
que nunca entende nada.
Esse
estilo de funcionamento das lojas é um detalhe, mas fala muito de como a
sociedade indiana lida com o tempo. As
pessoas aqui tem tempo de ir 3 vezes na mesma loja comprar uma roupa. Em outros
lugares da índia talvez seja diferente, mas aqui no interior tenho prestado
muita atenção nisso. E se o vendedor desembrulha 20 blusas pra cada cliente que
entra, quantas blusas por dia será que ele embrulha de volta? Que parcela do
tempo de trabalho dele ele gasta reembrulhando roupas?
E o
sari, que você tem que ir na loja de sari, na loja de tecido e na costureira,
pra uma semana depois poder usar?
Aqui
o tempo não parece ser organizado em cima do conceito da praticidade.
Praticidade é um conceito ocidental capitalista de otimização do tempo, não
consegui descobrir quando foi inventado mas eu localizaria a invenção da
praticidade no Fordismo americano. Diminuir o desgaste humano e encaixar o
máximo de coisas no menor espaço de tempo. Estando aqui percebo que essa coisa
de buscar o máximo de conforto e o mínimo de trabalho é bem ocidental.
Aqui
não está faltando tempo, as pessoas não precisam otimizar nada, e a sociedade
parece ter prioridades que não são o conforto. Isso esta presente em cada hábito
cultural deles, é uma coisa impressionante de se observar. Por exemplo, se cada
vez que você vai ao banheiro você tem que se lavar, quanto tempo a mais se
gasta nesse tipo de higiene do que com papel higiênico? E o sari, como se vai
ao banheiro de sari? Quanto tempo se gasta pra levantar aquele tecido todo?
Outro
exemplo, as panelas aqui não tem cabo nem tampa. São tigelas de metal que você
pega com uma pinça gigante, e quando
quer tampar usa um prato.
panelas da minha casa |
Por último meu
exemplo favorito, as portas aqui não tem fechadura e chave, elas tem trancas de
correr que você fecha com um cadeado. Parece simples mas é impressionantemente
não prático e complicante. Hoje mesmo fiquei trancada pra dentro de casa, Carlos foi na rua
consertar a bicicleta e fechou a tranca pelo lado de fora, eu quis sair e não
consegui. A gente tem duas portas, a do apartamento e a do prédio, nenhuma
fecha só de bater. Se ele não tranca a porta do prédio ela fica aberta pra rua, então
ou ele tranca por fora ou toda vez que alguém sair de casa outra pessoa tem que
ir lá em baixo fechar por dentro, e quando a pessoa que estava na rua voltar,
alguém tem que descer pra abrir. A cereja do bolo é o detalhe de que o cadeado
não fecha só de você pressionar ele, é
necessário tranca-lo realmente, passar a chave para ele fechar. Nossa sorte é
que na maioria das vezes saímos e voltamos todos juntos.
São
vários pequenos detalhes que fazem você levar bem mais tempo nas coisas
cotidianas. No inicio me irritava, como assim eu vou três vezes na mesma loja
comprar uma única blusa? que perda de tempo, quando eu preciso trocar alguma coisa no Rio levo
quase um mês pra ir, porque não consigo parar as outras coisas que estou
fazendo. Mas agora tenho achado interessante viver esse outro tempo, eu tenho esse
tempo aqui, todo mundo tem, tenho respirado fundo e controlado minha ansiedade
ocidental que tenta resolver tudo em 10min. Chego na loja as pessoas trazem
cadeira, te oferecem chá, perguntam da onde você é, e por ai vai. É uma cidade
que não está atrasada apressada batendo ponto fazendo coisas pra ontem, é um
lugar que vive num ritmo familiar, que a prioridade parece ser a tradição, e
não o conforto e a praticidade.
Vamos
ver como vai ser no resto da Índia, quando descobrir conto aqui.
Oração Ao Tempo | Caetano Veloso
ResponderExcluirÉs um senhor tão bonito
Quanto a cara do meu filho
Tempo, tempo, tempo, tempo
Vou te fazer um pedido
Tempo, tempo, tempo, tempo
Compositor de destinos
Tambor de todos os ritmos
Tempo, tempo, tempo, tempo
Entro num acordo contigo
Tempo, tempo, tempo, tempo
Por seres tão inventivo
E pareceres contínuo
Tempo, tempo, tempo, tempo
És um dos deuses mais lindos
Tempo, tempo, tempo, tempo
Que sejas ainda mais vivo
No som do meu estribilho
Tempo, tempo, tempo, tempo
Ouve bem o que te digo
Tempo, tempo, tempo, tempo
Peço-te o prazer legítimo
E o movimento preciso
Tempo, tempo, tempo, tempo
Quando o tempo for propício
Tempo, tempo, tempo, tempo
De modo que o meu espírito
Ganhe um brilho definido
Tempo, tempo, tempo, tempo
E eu espalhe benefícios
Tempo, tempo, tempo, tempo
O que usaremos pra isso
Fica guardado em sigilo
Tempo, tempo, tempo, tempo
Apenas contigo e comigo
Tempo, tempo, tempo, tempo
E quando eu tiver saído
Para fora do teu círculo
Tempo, tempo, tempo, tempo
Não serei nem terás sido
Tempo, tempo, tempo, tempo
Ainda assim acredito
Ser possível reunirmo-nos
Tempo, tempo, tempo, tempo
Num outro nível de vínculo
Tempo, tempo, tempo, tempo
Portanto, peço-te aquilo
E te ofereço elogios
Tempo, tempo, tempo, tempo
Nas rimas do meu estilo
Tempo, tempo, tempo, tempo