terça-feira, 29 de abril de 2014

Mehndi e o casamento


Começaram os preparativos do casamento! Akshita me convidou ontem para ir na casa dela fazer mehndi, aquela pintura em henna que se faz nas mãos e nos pés. Foi maravilhoso, essa experiência de entrar na casa das pessoas e viver a intimidade delas é muito especial, acho que se eu estivesse em uma cidade maior isso nao aconteceria. A casa dela está lotada de parentes, as pessoas foram muito receptivas comigo, foi extremamente especial, todas as mulheres da família quiseram tirar foto comigo, umas mandaram pelo celular para os filhos, foi muito fofo, muito caloroso, ganhei até abraço. É muito interessante ver como a família funciona, ela me apresentou muitos irmãos, depois fui entender que ela considera irmão todos os primos e primas, pois são filhos dos irmãos do seu pai. Tias e tios também me foram apresentados, algumas eram tias mesmo, outras amigas da mãe, amiga da tia, ela me apresentou uma avó que era na verdade esposa do irmão de não sei quem, uma confusão, o importante é que era todo mundo parte da família e muito querido.






A casa dela tem 2 andares, ela mora com os pais no primeiro e no segundo o irmão vai morar com a futura esposa. Eu achei que a casa estaria arrumada para a chegada dos noivos mas o andar de cima estava uma bagunça, o cômodo que será a sala é onde as mulheres estavam fazendo mehndi, uma moça contratada estava lá desde de manhã trabalhando em todas as mãos femininas da família. A henna que faz o mehndi lembra uma lama, ela vem em uns sachês cônicos que a moça corta a pontinha e faz manualmente o desenho no nosso braço. Essa lama quando seca começa a descascar e faz uma sujeirada, o chão estava cheio de pedacinhos dessa lama, cheguei em casa depois, meu pé está todo marcado de laminhas que eu pisei que ainda estavam soltando tinta. O meu braço levou uma meia hora pra fazer, tem desenhos mais elaborados que levam duas, três horas. O mehndi tem um cheiro doce que lembra um pouco canela, com outros temperos  misturados. Quando seca o cheiro muda, lembra cheiro de comida salgada, não sei direito, sei que eu passei o dia hoje com um cheio engraçado. Depois de fazer você passa a noite com aquela lama no braço para o desenho fixar bem, e tira apenas no dia seguinte. Para fazer tem que depilar o braço, eu não depilei porque lá não tinha cera nem nada, elas me avisaram que iria doer um pouco pra sair o grosso por causa dos pelinhos em que a lama agarra. Dormir com isso deu bastante nervoso, a  sensação é de que eu enfiei o braço na lama e deixei secar, ficou tudo duro e ressecado e meu quarto ficou tão bagunçado quanto a sala da casa, cheio de lama pelo chão.

fazendo

algumas horas depois
hoje de manhã, palma da mão já limpa



  Na sala ao lado a que as mulheres estavam fazendo mehndi uma coreógrafa (uma menina de uns 24 anos no máximo, solteira) ensaiava com as tias e primas a coreografia que elas vão apresentar no casamento. Fui ver um pedaço da coreografia que elas estavam ensaiando, me perguntaram se eu sabia dançar, eu disse que música indiana não, mas que no Brasil eu dançava muito. Pediram pra eu dançar, eu selecionei A nova loira do tchan pra tocar no celular e dancei um monte, fiz uns passo de samba e tudo, as meninas adoraram! Akshita me perguntou inclusive se eu queria me apresentar no casamento hah mas achei melhor declinar. ( Imagina).
Foi demais elas ficaram prestando muita atenção na dança, tentando fazer também, do mesmo jeito que eu fico quando elas começam a dançar músicas indianas. Morri de vontade de saber dançar alguma coisa direito, tipo frevo ou forró pra mostrar pra elas, o Brasil e a Índia tem em comum essa imensa variedade de ritmos de dança.

Do lado de fora da casa dois homens contratados tocavam tambor quando as pessoas iam la fora ver eles, depois de fazer o mehndi Akshita me chamou e fomos todos dançar na rua, foi lindo, algumas tias dela são do Rajastão, estado vizinho ao que eu estou, elas vieram me ensinar a dança típica de lá, muito legal, aquelas mulheres lindas de sari todo mundo descalço pulando na rua com uma batucada sinistra. Varias me convidaram para ir conhecer suas casas, muito legal mesmo.

Depois de dançar, fazer mehndi e dançar mais, paramos para jantar, a Akshita já tinha comido, ela me disse que eu ia comer com o irmão dela (o noivo) e os amigos dele, eles eram os únicos que ainda não tinha comido, eu acho, já era quase 22h. Todos eles pediram para tirar foto comigo. Eu não tinha comido ainda porque estava esperando o mehndi secar. Sentamos todos no chão, Akshita e as irmãs-primas serviram todos, todo mundo comeu com a mão, eu como estava com o mehndi secando pedi uma colher pra me auxiliar. Usaram pratos de papel e potinhos de papel, tudo descartável. Deve ser porque estão com muita gente em casa, pra não precisar lavar louça toda hora, e nem deve ter pratos o suficiente pra todo mundo. Todas as casas que eu fui até agora sempre quem serve a comida são as mulheres, geralmente as esposas novas. Os homens não mexem um palmo, não ajudam nem a tirar os pratos no fim, no jantar as meninas passaram recolhendo esses pratos de papel para jogar no lixo. Eu fico me coçando, a mulher tem uma posição muito servil, as funções de cada gênero são muito claras, ninguém parece ter ideia de direitos iguais ou divisão de tarefas, de forma que ninguém nem se incomoda, as mulheres executam esse processo na maior boa vontade.

Por fim o irmão dela perguntou se eu ia passar a noite lá, e ela me convidou pra dormir com eles, mas eu precisava vir em casa tomar um banho e descansar, acabei declinando. Ela ia me levar em casa de moto, mas ai lembraram que não é bom sair na rua com o mehndi fresco pois atrai doença, é uma superstição ela me disse. Quem me levou em casa foi um dos amigos do Honey, bem legal ele, viemos conversando, ele me explicou que sair com o mehndi atrai almas de outras pessoas pro meu corpo, achei demais essa superstição, super sinistra.

Enfim, amanhã começa o casamento!


sábado, 26 de abril de 2014

Yoga no parque


Fui na aula de yoga hoje, foi demais!

Desde que cheguei em Mandsaur estou procurando uma aula de yoga pra fazer. A yoga nasceu na índia antiga e até hoje é uma prática muito disseminada por aqui, o país tem várias  escolas e ashrams que ensinam diversas modalidades diferentes, tem inclusive um tipo de visto próprio para quem esta vindo estudar yoga aqui.
A pouco tempo soube que o parque perto do trabalho tem aulas de yoga de manhã, fui lá um dia cedo pra descobrir o horário e hoje fui fazer minha primeira aula. Eu e Niha acordamos 5:30h da manhã nos arrumamos e fomos a pé, o parque fica a uns 10min da nossa casa, a aula começa as 6h e vai até as 7h. Super cedo, só pra quem quer mesmo.

A aula acontece em uma área coberta do parque, como um galpão mas sem paredes. Como é de manhã cedo é muito fresco. O lugar é agradável, mas tem tanto mosquito e mosca que é uma senhora missão se concentrar e ficar parado. A aula tem uns 25 alunos, a maioria são homens, deve ter umas 7 mulheres no máximo, homens e mulheres sentam separados, cada gênero de um lado do galpão, todos trazem seu próprio tapete.  Os homens fazem muito barulho de cuspe e escarro, então foi bom sentar longe deles. O público é bem mais velho que eu, são pessoas de 40 anos pra cima, alguns homens bem mais velhos.
As mulheres fazem yoga de sari, é sensacional, eu passei um dia sentada no escritório de sari (fizemos um sari day at the office essa semana) e tive que ir me ajeitar diversas vezes, mas elas tem tanta prática em usar que realmente fazem qualquer coisa de sari. Quem usa sari são mulheres casadas, então é mais um ponto pra perceber que são pessoas mais velhas mesmo ( apesar de as pessoas se casarem muito cedo por aqui, encontrei uma noiva no salão outro dia, ela tinha 23 anos).

Eu nunca tinha feito yoga, foi muito legal ter essa experiência aqui. O yoga trabalha posturas (asanas) e respirações (pranayamas) que geram bem estar e equilíbrio para o corpo, mas funciona como um exercício físico também, as posturas alongam os músculos e dão aquela sensação de trabalho. Eu sou bem sedentária, então algumas posturas foram difíceis de fazer, mas nada impossível. Acho também que é um yoga leve, já que o público é mais velho. A aula é em hindi mas o professor fala inglês, então quando eu estava muito errada ele vinha me dar alguma orientação específica. De resto é olhar o que as pessoas em volta estão fazendo e imitar.
Uma das posturas exige rir bem alto, em pé você desce a coluna até tocar as mãos no chão, e depois sobe com os braços pra cima dando risada. É demais, as pessoas fazem muito barulho! O contexto todo fica muito engraçado pra mim, depois você tem que fazer o mesmo exercício mas sem fazer barulho, o professor veio me avisar pra nao fazer barulho. Ele é um senhor de uns 60 anos, se veste todo de branco e usa o bindi vermelho no meio da testa. Ele fica em pé andando entre os alunos corrigindo uma pessoa aqui e outra ali, e um outro homem, mais jovem, também todo de branco, faz as posturas de frente para todos, é como um assistente dele. Ele é muito sinistro, tem uma elasticidade e flexibilidade impressionantes.

Ao fim, todos sentam em posição de lótus e meditam por uns 5min, e por fim todos falam Om juntos. Foi lindo, a Neha tinha me explicado que o Om é todo o universo, é o mantra principal, está desenhado na mão e na testa de todos os deuses, está na entrada das casas, em todo lugar. O som de todas as pessoas falando junto gera uma vibração que dá pra sentir no corpo. O significado do Om é muito mais complexo, estou entendendo aos poucos.

Cheguei em casa de volta as 7:10h da manhã, como só vamos ao escritório as 10h deu tempo de dormir mais duas horinhas. Foi ótimo porque cheguei em casa cansada e super relaxada. 

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Praticidade


Essa semana eu e Neha fomos comprar blusas. Fomos em lojas com roupas mais modernas, onde você entra de sapato, tem um balcão, e vendedores em pé atrás do balcão. Ainda assim todas as roupas ficam embrulhadas em saquinhos, então você depende do vendedor ir te mostrando. O vendedor geralmente desembrulha muito mais roupas do que eu tenho interesse de ver, mas como independente do que eu fale ele não para, ficamos por isso mesmo. As lojas não tem espaço para provar, então as pessoas ou compram sem provar ou levam a roupa pra casa e depois retornam.
Eu estava procurando um qurta pra comprar, que é como uma bata comprida até o joelho, aberta na lateral, que se usa com legging. As mulheres que não usam sari geralmente usam qurta, é uma roupa tradicional mas é mais prática que o sari, o corpo fica protegido, e pra mim é uma forma de eu ficar mais disfarçada aqui. A legging é ótima porque é 10 vezes mais fresca e confortável do que a calça jeans. Aqui não se usa perna de fora nunca, vejo mulheres de barriga de fora, de ombro e braços descobertos, mas da cintura pra baixo está sempre tudo coberto, homens também, ninguém usa short ou bermuda.

Esse qurta que eu comprei é uma bata sem mangas, o tecido das mangas vem solto, caso você queira incluir mangas. Já vi muitas outras roupas assim por aqui, vestidos e qurtas que acabam no ombro mas vem com o tecido para a manga. Eu queria com mangas, então comprei a qurta, levei pra casa provei, gostei, decidi que queria as mangas, voltei no dia seguinte para eles costurarem as mangas, e hoje vou lá de novo pegar o resultado final. Significa que eu fui 3 vezes na mesma loja pra conseguir comprar uma blusa.
Nesse mesmo dia, fui em outra loja com a Neha. A loja também não tinha provador, e era esse mesmo esquema das roupas em saquinhos, então a Neha selecionou umas 10 blusas, levou todas pra casa, provou, e no dia seguinte foi lá devolver 9 e comprar uma. Eu fiquei pensando, será que ela pode não comprar nenhuma? Depois de ter levado todas pra casa? Não saquei qual é a etiqueta de uma situação dessas, mas a sensação que eu tenho aqui é que a partir do momento que você entrar na loja, significa que você vai comprar alguma coisa. Ninguém entra só pra olhar, como a gente faz no ocidente, e os vendedores parecem meio chateados se você entra e vai embora. A sorte é que eu passo ilesa desse constrangimento com o meu disfarce de turista que nunca entende nada.

Esse estilo de funcionamento das lojas é um detalhe, mas fala muito de como a sociedade indiana lida com o tempo.  As pessoas aqui tem tempo de ir 3 vezes na mesma loja comprar uma roupa. Em outros lugares da índia talvez seja diferente, mas aqui no interior tenho prestado muita atenção nisso. E se o vendedor desembrulha 20 blusas pra cada cliente que entra, quantas blusas por dia será que ele embrulha de volta? Que parcela do tempo de trabalho dele ele gasta reembrulhando roupas?
E o sari, que você tem que ir na loja de sari, na loja de tecido e na costureira, pra uma semana depois poder usar?
Aqui o tempo não parece ser organizado em cima do conceito da praticidade. Praticidade é um conceito ocidental capitalista de otimização do tempo, não consegui descobrir quando foi inventado mas eu localizaria a invenção da praticidade no Fordismo americano. Diminuir o desgaste humano e encaixar o máximo de coisas no menor espaço de tempo. Estando aqui percebo que essa coisa de buscar o máximo de conforto e o mínimo de trabalho é bem ocidental.
Aqui não está faltando tempo, as pessoas não precisam otimizar nada, e a sociedade parece ter prioridades que não são o conforto. Isso esta presente em cada hábito cultural deles, é uma coisa impressionante de se observar. Por exemplo, se cada vez que você vai ao banheiro você tem que se lavar, quanto tempo a mais se gasta nesse tipo de higiene do que com papel higiênico? E o sari, como se vai ao banheiro de sari? Quanto tempo se gasta pra levantar aquele tecido todo?
Outro exemplo, as panelas aqui não tem cabo nem tampa. São tigelas de metal que você pega com uma pinça gigante,  e quando quer tampar usa um prato.


panelas da minha casa




Por último meu exemplo favorito, as portas aqui não tem fechadura e chave, elas tem trancas de correr que você fecha com um cadeado. Parece simples mas é impressionantemente não prático e complicante. Hoje mesmo fiquei trancada pra dentro de casa, Carlos foi na rua consertar a bicicleta e fechou a tranca pelo lado de fora, eu quis sair e não consegui. A gente tem duas portas, a do apartamento e a do prédio, nenhuma fecha só de bater. Se ele não tranca a porta do prédio ela fica aberta pra rua, então ou ele tranca por fora ou toda vez que alguém sair de casa outra pessoa tem que ir lá em baixo fechar por dentro, e quando a pessoa que estava na rua voltar, alguém tem que descer pra abrir. A cereja do bolo é o detalhe de que o cadeado não fecha só de você pressionar ele, é necessário tranca-lo realmente, passar a chave para ele fechar. Nossa sorte é que na maioria das vezes saímos e voltamos todos juntos.




São vários pequenos detalhes que fazem você levar bem mais tempo nas coisas cotidianas. No inicio me irritava, como assim eu vou três vezes na mesma loja comprar uma única blusa? que perda de tempo, quando eu preciso trocar alguma coisa no Rio levo quase um mês pra ir, porque não consigo parar as outras coisas que estou fazendo. Mas agora tenho achado interessante viver esse outro tempo, eu tenho esse tempo aqui, todo mundo tem, tenho respirado fundo e controlado minha ansiedade ocidental que tenta resolver tudo em 10min. Chego na loja as pessoas trazem cadeira, te oferecem chá, perguntam da onde você é, e por ai vai. É uma cidade que não está atrasada apressada batendo ponto fazendo coisas pra ontem, é um lugar que vive num ritmo familiar, que a prioridade parece ser a tradição, e não o conforto e a praticidade.

Vamos ver como vai ser no resto da Índia, quando descobrir conto aqui.


sexta-feira, 18 de abril de 2014





Estou apaixonada por essa senhora!

Todo dia em frente ao escritório passa um grupo de búfalos. De manhã cedo eles passam, e no fim do dia eles voltam, pelo mesmo caminho. Não sei aonde vão ou da onde vem. São búfalos enormes, pretos, muito sujos, alguns são magros de um jeito que os ossos nas costas ficam protuberantes e a pele deles parece doente pois tem pouco pelo, ao mesmo tempo que eles parecem muito fortes pois tem o rosto sério e os chifres enormes e enrolados, cada um de um jeito, as vezes para cima as vezes para baixo, e eles andam sempre juntos, no mesmo passo, eles não fazem barulho e parecem andar com muita calma, mas também cansados, todo dia, no mesmo trajeto. É sensacional. Todo dia tento fotografar eles, mas como não posso chegar muito perto e eles estão em movimento, todo dia a foto fica mais ou menos.
Hoje no fim da tarde corri para a rua mais uma vez. Enquanto eles terminavam de passar e eu observava embasbacada, essa senhora veio muito sorridente compartilhar o momento comigo. Falou muitas coisas que eu tenho certeza que eram as mesmas que eu estava pensando, a gente riu e quando eles terminaram de passar eu pedi pra fotografa-la.
Isso que ela carrega na cabeça são fezes de bois e búfalos que as pessoas pobres usam como matéria-prima para acender o fogo em suas casas ou nos acampamentos em que moram. Tem muitas pessoas com esses cestos pela cidade. As vacas aqui são especiais pra todo mundo, mas eu acho que para as pessoas que dependem delas pra ter calor em  casa ( e aqui a noite pode ficar muito frio) a relação vai pra além de especial, vai para um lugar de gratidão, que dá ver nos olhos e no sorriso dela. Muito linda.