sábado, 29 de março de 2014

Mudança


O dia de hoje foi uma bagunça. Ontem o Principal da escola chegou em Mandsaur, ele veio do sul da India com sua família para morar aqui e trabalhar na escola. O apartamento que escolheram pra ele fica no terceiro andar de um prédio no centro de Mandsaur, só que ele tem um problema no joelho que não permite que ele suba escadas. Então, ontem a noite ele foi visitar nossa casa, pra ver como era. Ele gostou da casa e hoje passamos a tarde nos mudando, viemos morar no apartamento e ele ficou com a casa.
O apartamento fica bem no centro da cidade, é legal que é no terceiro andar e tem varanda, então posso olhar a bagunça da rua e ver o movimento de cima. Infelizmente a varanda é dominada por pombos, não é muito agradável de ficar. Ele também é bem legal porque é mais novo, o prédio é bem acabado mas o apartamento em si é reformado, os quartos são enormes, todos tem cama de casal, não tem mais banheiro oriental, a cozinha é dez (apesar de estar sem fogão), e ele não tem um cheiro esquisito como a casa tinha. Alem disso o fato de ser um apartamento me da mais segurança que uma casa, é mais difícil de alguém invadir.
Mas ele tem duas questões que nós estamos meio sem saber o que fazer, o ap na verdade é para duas pessoas, são duas suítes (quartos com banheiros) e um cômodo que era a sala, mas que como o sofá é tipo um futton, serve como cama. Só que a casa não tem um banheiro comunitário, só os banheiros dos quartos, então a pessoa que fica com o quarto que na verdade é a sala fica dependendo de entrar no quarto dos outros para usar um dos banheiros, e as pessoas com suítes perdem privacidade porque o quarto tem que estar sempre aberto para a pessoa do quarto que é a sala. E, junto disso, temos uma casa sem sala. Pedimos uma mesa pra cozinha, pra termos algum lugar pra comer juntos e sentados, mas ainda não chegou. Não faz muita diferença já que não temos fogão.
Por causa disso hoje fomos jantar num restaurante, o restaurante é ótimo, da pra ir a pé da nossa casa, tem um cardapio gigante em hindi e em alfabeto latino, e tem um preço muito bom, comemos 4 pessoas por 450 rúpias (18 reais, 1 real = 25 rúpias).

Porém, o apartamento ainda tem essa questão: 




Na entrada dele temos esse buraco que é como uma varanda pro andar de baixo. Só que o andar de baixo não faz parte do nosso apartamento, é a casa de outra pessoa. Se ela olhar pra cima ela me vê, qualquer barulho é compartilhado entre os apartamentos e se eu deixar coisas cair ou quiser cuspir na cabeça dela é possível. Se vocês prestarem atenção da pra ver ainda que o chão do apartamento nessa área é perfurado, então a pessoa do primeiro andar tem visibilidade de uma parte da casa do meio, e a casa do meio vê um pouco a casa de baixo. Me explicaram que tudo isso é para a luz do dia entrar, o nosso apartamento é o ultimo do prédio e nessa região da varanda interna tem uma clarabóia, que entra bastante luz. Mas ainda assim, se eu morasse no andar de baixo, preferia ter teto e luz falsa do que acesso ao vizinho de cima e luz natural. Muito doida essa arquitetura.

sexta-feira, 28 de março de 2014

Sobre medos e perigos


Ontem passamos por umas barraquinhas de comida de rua bem similares com os podrões do Rio só que com comida indiana. Os amigos pararam em uma barraquinha e pediram algo que era feito com grão de bico. Eu não como podrão na Lapa, comida de rua aqui me parece bem mortal, parecia gostoso mas eu não tive coragem de provar. Mais na frente passamos por uma barraca de caldo de cana onde me ofereceram PURE SUGAR CANE VERY FRESH AND PURE. Sobre caldo de cana, eu só consigo lembrar do meu clinico geral dizendo NAO TOME CALDO DE CANA EM HIPÓTESE NENHUMA A DOENÇA DE CHAGAS RONDA A ÍNDIA. Disse pra Neha que não gostava de caldo de cana e fomos embora.

Essa situação de me oferecerem algo que me foi orientado como absolutamente mortal tem me acontecido direto, qualquer loja ou casa que entramos as pessoas nos oferecem chá ou água, é um gesto gentil e aqui é muito quente e seco, dá vontade de aceitar, mas morro de medo de me fazer mal. Geralmente saio da situação dizendo que não quero, que estou bem muito obrigada, mas as vezes é meio chato.
Em casa por exemplo, eu só bebo água engarrafada, a Neha tem tipo um galão que ela enche em algum lugar que ela chama de água purificada. A água da bica estava fazendo mal a ela por isso passou a comprar esse galão, mas o galão tem uma cara muito suja, o Carlos foi no lugar que enchem o galão e disse que é trevas, apesar disso ele toma essa água e não passa mal. Aqui já passamos por vários lugares em que vemos pessoas tirando água como de um poço, naquele esquema de bombear a água pra cima com uma alavanca de madeira manual. Tenho medo dessa água purificada do galão ser de um lugar assim, é uma água sem tratamento, que pelo que eu entendo vem direto do lençol freático. Acho que pode ser limpo mas tem um risco grande de ser água contaminada, depende do que tiver no solo.

Essa água do galão que a Neha e o Carlos usam pra beber, eu fervo e uso para escovar o dente. Acho que eles ainda não me viram escovando o dente, mas ela já me perguntou porque que eu fervo tanta água. Outro dia transformei a água que eu ia escovar os dentes em chá pra disfarçar. Fui orientada a não escovar os dentes com a água da bica por dois médicos diferentes, ambos bem enfáticos.
Eu fico pensando se alguém, um americano por exemplo, chega no Rio de Janeiro com mil informações sobre doenças no Brasil, todo panicado, e ferve a água do filtro de barro da minha casa pra escovar os dentes. Eu acharia ele muito ridículo. E em algum lugar, bem desrespeitoso também, pois considera que a água que eu tomo não é boa pra ele e está suja. É péssimo. 
Ainda assim, a água é a principal coisa que eu fui orientada a não consumir, me sinto meio ridícula mas prefiro não correr risco de passar mal por aqui. Sobre a comida de rua, o Carlos passou mal, foi melhor não ter comido mesmo.

quinta-feira, 27 de março de 2014

A Rua


Hoje foi a primeira vez que saímos pra fazer alguma coisa a pé um pouco mais longe, geralmente vamos de moto a todos os lugares; mesmo que eles fiquem na mesma quadra um do outro, paramos em um lugar, subimos na moto e depois paramos no outro. No escritório, qualquer coisa que a gente precise as meninas pedem ao servant para ir comprar para nós, o servant é um rapaz que fica sentado na porta o dia todo, meio como segurança e meio para resolver pequenas coisas que acontecem na hora. Ele que tem comprado água pra mim, ainda não consegui aprender o nome dele. Eu já estava me sentindo meio presa de não dar uma volta na rua, e como eu hoje precisava comprar algumas coisas, propus que fossemos a pé. Por sorte a moto estava emprestada não sei com quem, então todo mundo acatou a ideia, foi demais. 

Foi a primeira vez que eu deixei de ser uma moto no trânsito e passei a ser uma pessoa atravessando. Não sei se já comentei aqui como o trânsito de Mandsaur é caótico. Não tem sinal de trânsito, nem faixa de pedestre, nem marcação de faixa no chão, nem mão e contra mão. São carros, motos, tuk tuks, pequenos e grandes caminhões, pessoas e vacas, todos atravessando para todos os lados, parando do nada, mudando de direção, e buzinando. Eu achei que ser pedestre aqui exigiria muita atenção, mas a Neha dá uma olhada pra cada lado bota o pé na rua e sai andando, as motos desviam da gente, nós desviamos das vacas e assim chegamos do outro lado. É um milagre diário como tudo dá certo e ninguém bate ou é atropelado.

Foi demais poder olhar a rua, descobrimos essa manufatura de estátuas de gesso do Ganesha 



Essas senhoras cristãs 



Essa loja de ovos 



Esse templo no meio da estrada 



E essa comemoração 






Neha me disse que hoje é um dia especial para as mulheres, essa comemoração chama-se Gangore. Foi a primeira vez que eu vi tantas mulheres juntas, no caminho de volta tinham muitas mulheres se dirigindo para lá ainda, estava muito bonito. Não consegui entender porque que é um dia especial para as mulheres, nem consegui entender porque aquele templo do meio da estrada é todo laranja, mas foi muito bom ter encontrado todas essas coisas. A sensação aqui é de que os signos-significados-significantes são todos diferentes do ocidente, então um monte de coisa eu não entendo, e um monte de coisas as meninas nem entendem o que eu estou perguntando. O mesmo acontece com a rua, as coisas tem formatos tão diferentes dos que eu conheço que eu não reconheço o que é, e só chegando pertinho mesmo é que dá pra entender. Além disso tudo é escrito em hindi, eu ainda não reconheço as letras do alfabeto, então são um monte de desenhos coloridos bonitos que eu não faço a menor ideia do que significam. Hoje vi uma farmácia, uma papelaria, um banco ATM e uma loja de roupas, estabelecimentos que eu não tinha ainda identificado na paisagem da cidade. Pelo que eu entendi as lojas de roupas aqui vendem roupas para todas as pessoas e todas as idades, então dentro da loja que eu fui tinha um monte de mães com crianças provando peças. Parecia uma loja infantil, mas era uma loja de roupas para todos, só entrando pra saber. Dentro da loja enquanto a vendedora te mostra todas TODAS as peças que ela tem do que você está procurando, vem um cara oferecer chai (chá) num copinho, você acha que é da loja mas é de uma barraquinha de rua do lado de fora. Eu não tenho aceitado nada de beber aqui porque eu tenho medo da água, mas é um exemplo desses sistemas de funcionamento que só de muito perto pra entender como funciona.


NOTA: 
 Gangore is observed in honor of Gauri, the Goddess of abundance. Unmarried women dress in their finest attire and pray for a spouse of their choice. Married women observe the rituals for the security of their husbands. Women worship the Goddess throughout the preceding fortnight.


Achei essa descrição no site http://www.indusladies.com , bem legal o site, é uma organização de mulheres indianas. Mostrei a descrição do Gangore pra Neha e ela disse que é exatamente isso, me contou ainda que as mulheres as vezes levam bonecos feitos de argila decorados, representando seus futuros maridos. Demais. Morri que isso durou a noite inteira e eu não vi.



quarta-feira, 26 de março de 2014


Akshita acabou de me contar que ontem ela deixou a carteira em cima da mesa da sala, o irmão dela mexeu ao acaso e acabou encontrando uma carta do namorado escondido. Ele brigou com ela, mostrou pra mãe, a mãe disse que não aceita esse tipo de atitude dela e rasgou a carta, junto com duas fotografias dele, as únicas que ela tinha. Ela tem fotos dele no computador, mas era as únicas impressas. Ela está triste mas já está tudo bem com a família. No domingo eles tinham terminado mas na segunda voltaram. 

terça-feira, 25 de março de 2014

THE BLACK MARKET OF CHICKEN


Já tem alguns dias que quando nos perguntam se está nos faltando alguma coisa, o Carlos responde que adoraria comer algum tipo de carne. Desde que chegamos aqui, todos os pratos que comemos foram vegetarianos, eu tenho sentido mais falta de produtos de leite, como queijo e iogurte, mas ele é mexicano, acho que carne faz mais falta mesmo.

O irmão da Akshita (aquele que vai casar) se chama Honei. Ontem nos dando uma carona de volta pra casa, eles nos disse que se precisássemos de qualquer coisa poderíamos contar com ele. Ele nos convidou para seu casamento desde antes de nos conhecermos, e é ele quem está correndo atrás de espelhos para o banheiro da nossa casa. Em tom de voz mais baixo, ele nos disse que se quiséssemos cerveja ou frango, coisas muito difíceis de se ter por aqui, ele poderia conseguir, mas que ficava entre a gente. Nota nº1:  95% da India é vegetariana. Nota nº2: O Honei é jainista, assim como Akshita e toda a família deles. Os jainistas são uma corrente do hinduísmo que não pode comer nem possuir nada de origem animal. Quando disse que gostaria de ovos a Akshita disse que não poderia comprar pra mim. 

O Carlos ficou muito interessado em ambas as ofertas e hoje passou o dia desenrolando com ele.

Por volta de umas 20h dois rapazes em uma moto nos trouxeram muito bem disfarçado um pack de cerveja e um pote. Carlos arrumou as cervejas na geladeira e eu fui ver o pote. 

Neha disse que frango é bom de comer com pão.


Estava esperando frango congelado ou fresco pra gente fazer, mas o frango veio pronto, nessa embalagem que vocês podem ver.

Uns 20min depois que já estávamos comendo, o irmão da Akshita apareceu na nossa casa pra ver se as coisas tinham chegado direitinho e para saber se tínhamos gostado. O frango e as cervejas vieram de um bar chamado Relax Bar, aberto desde 1990 segundo informação presente na nota fiscal (primeira nota fiscal vista na India desde que cheguei). O bar é de um amigo do Honei. Carlos levou-o  até a geladeira para ele conferir as cervejas gelando e nossa nova geladeira (chegou ontem, até então estávamos sem). Isso tudo durou uns 10min, nesse meio tempo ele aproveitou ainda para ir aos banheiros medir o espaço disponível pros espelhos. 20min depois de ele já ter ido embora, ele ligou para o celular do Carlos e pediu pra falar com a Neha, disse para a Neha que deveríamos ter atenção ao jogar o lixo fora, que não deixássemos aparente nem as latas nem os ossos, pois isso poderia nos trazer problemas, já que estamos em um bairro jainista.

Jantar subversivo de ontem: 



Apesar da apresentação nada apetitosa, o frango estava uma delicia, tem um gosto de defumado, com muita pimenta e coentro. 
A cerveja é horrorosa, tem muito açúcar. 
E essa é a história de como conseguimos um chicken dealer e arranjamos cerveja e frango na India.

segunda-feira, 24 de março de 2014

Sobre Casamento


Ontem depois do escritório a Niha me convidou pra ir ao salão com ela, tem salões para homens e para mulheres. Esse salão tinha duas cadeiras, é uma sala bem pequena, e uma mulher que faz tudo. Ela foi depilar a sobrancelha, aqui se usa depilação com linha, parece bem mais confortável que a com cera. Ela também cortou o cabelo. Essa mulher que faz tudo no salão também costura saris especiais para festas, e aluga jóias para esses eventos. Ela me mostrou um álbum das noivas que ela arrumou, demais as noivas indianas, com aquelas argolas grandes no nariz, a pintura na mão feita em henna, o terceiro olho, e uns saris lindos muito brilhantes. Falando em casamento, fui convidada para um casamento indiano. No escritório trabalha uma menina que o irmão dela vai casar mês que vem, será um grande evento, ela fala disso o tempo todo, é muito fofo, e ela e o irmão fazem muita questão de que eu e Carlos vamos. Aqui quando as pessoas se casam a noiva vai morar na casa do noivo. Hoje fomos visitar a casa dela, eles construíram um segundo andar na casa para que o futuro casal more. Ela adora a cunhada, me contou que é uma nova pessoa que vai morar na casa dela, que é como uma nova irmã, então que ela tem que se esforçar pra elas se darem bem. E que um dia ela vai sair de casa pra ir morar com o marido e a família do marido. A casa dela é demais, cada cômodo tem uma cor, o quarto dela é roxo e ela tem uma tartaruga de estimação. Hoje era um dia especial pra ela e a família, um dia santo, a mãe dela estava com uma pintura genial nas mãos. Eles seguem o Jainismo, ela não pode comer nada de origem animal nem possuir nada de origem animal. Fomos ao mercado outro dia e eu perguntei se tinha ovos, ela riu muito por eu querer ovos e disse que ela was not allowed to pursue it. Mas disse que vai dar um jeito de alguém trazer ovos pra gente. A Niha é hindu, muitos hindus são vegetarianos mas a família dela não é, então ela come carne. Segundo ela 95% da população da India é vegetariana, todos os produtos aqui vem com uma marca dizendo se são ou não vegetarianos, é como os avisos de glúten/sem glúten no Brasil. É um país muito bom pros vegetarianos (e péssimo para os alérgicos a glúten, come-se muito pão). Interessantissimo: Ambas estão esperando suas famílias escolherem seus maridos. Eu não fazia ideia que isso ainda existia, é muito interessante, elas tem uma relação de muita proximidade e confiança com a família, de forma que o pai e a mãe são as melhores pessoas pra escolherem algo pra elas. Não tem nenhuma crise em relação a isso, pelo contrário, tem um sentimento de confiança enorme. Elas ficam noivas 2 anos antes de se casarem, se nesses dois anos o casal não se der bem eles tem a possibilidade de terminar o noivado. 



Sobre a chegada


A viagem ontem pra cá foi muito vida L0k4, cheguei em Indore de avião a noite, do lado de fora só tinham homens esperando passageiros, nem uma unica mulher, eu sai e vi uma placa escrito Julia em caneta bic, eram dois meninos, caras novos, olhei pra eles eles cochicharam algo entre si, eu cheguei mais perto, falando alguma coisa tipo hey it's me i'm julia, fiquei com medo deles estarem esperando outra Julia e reli a plaquinha (apesar de ninguém se chamar Julia na Índia), tinha em caneta o nome da escola, Edify School Mandsaur welcomes JULIA, era eu mesmo. Apertei a mão deles, dei a volta no cercadinho, eles pegaram minha mala e saíram andando para o carro, sem hi julia, ou how are you, welcome. Falei qualquer coisa só pra puxar assunto, tentei umas 3 qualquer coisas diferentes, eles sorriam mas não me responderam, achei muito esquisito mas pensei que as vezes tinham sido orientados a não falar comigo, ou a religião deles não permite que eles falem com mulheres, sei lá. Eles colocaram minha mala no porta malas, entrei no carro no banco de trás (NOTA: o carro é como qualquer outro carro no ocidente, mas com mão inglesa, nada mto estranho), eles sentaram no banco da frente, eu atrás e saímos andando noite a dentro. Estava tocando um CD de música indiana bem legal. Meia hora depois, ninguém tinha falado mais nada até então, eles me perguntaram alguma coisa em hindi, tentamos nos entender um pouco, ninguem se entendeu, até que eu percebi que eles nao falavam inglês, e eu nao falava hindi. Ia ser uma viajem de 3 horas no meio da noite no interior da india sem eu ter a possibilidade de fazer qualquer comentário, perguntar qualquer coisa, qualquer uma, nem ta chegando. Me bateu um medo fudido, tentei colocar o cinto mas ele estava preso para trás do banco, olhei pra eles e eles estavam os dois no banco da frente sem cinto, na estrada, de noite, na Índia. Cu na mão. Se eu tivesse mais de um cu todos eles estariam na minha mão.
Apesar do medo fudido a viagem foi muito divertida, a situação toda era tão absurda que eu achei melhor confiar neles cegamente do que me cagar até a morte no banco de trás. Eu não sei se as regras de transito são diferentes na Índia ou se as pessoas só não respeitam as regras, sei que, é uma doidera. Ninguém respeita mão e contra mão, as pessoas desviam umas das outras quando vem alguém na outra direção, e buzinam muito quando vão fazer ultrapassagem. Ultrapassagem é outra questão, esse meu motorista fazia ultrapassagem de caminhão na curva, sem nenhuma visibilidade de porra nenhuma, teve uma curva que enquanto ele fazia ultrapassem de um caminhão, na curva, ele ainda abriu a porta pra cuspir. Com uma mão ele buzinava com a outra ele abria a porta e enfiava a cabeça pra fora pra cuspir. Ganhou meu selo de vida loka em alto risco. Nota: a estrada é inesperadamente sinalizada, com marcas de faixa no chão, placas indicando curvas, pontes, cidades. Paramos 4 vezes ao longo do caminho, em biroscas no meio da estrada. não sei direito pra que, no início ele parecia pedir informação, a ultima vez que ele parou acho que eles foram comer, um deles me trouxe um suco engarrafado de manga, que eu tomei um gole e depois surtei de pavor com a ideia da água ser suja, demoraram uns 15min nesse lugar, eu tomei coragem e sai do carro pra olhar em volta, tinha um senhor bem velho com um turbante laranja lindo, e alguns outros caras. O espaço do lado do bar tinha duas mulheres sentadas no chão, não tinha luz então não dava pra ver direito, mas elas pareciam estar descascando alguma coisa em grade quantidade. Uma delas levantou e não sei de onde veio uma terceira, elas conversaram, uma delas entrou por uma porta e a outra sentou em algo que era uma cama, no meio da rua. Fui ai que eu vi a cama. Tinha um senhor dormindo na cama, uma bola que a  mulher empurrou e a bola se mexeu, uma criança eu acho, ela deitou perto da bola e foi dormir. Muito estranho porque era uma cama mesmo, com pés, não era no chão, e como a outra mulher entrou por um porta, imagino que tenha algum cômodo atras da porta, não consegui pensar porque a cama não estava do lado de dentro da porta. As vezes era tão pequeno que não tinha espaço, ou era mais fresco do lado de fora, não sei. Voltamos para o carro e foi bem bom, ficaram me encarando muito no bar. Nessa ultima parte da viagem eles puxaram muitos assuntos, foi ótimo porque eu comecei a ficar preocupada com ele dormir no volante, já estava muito tarde. Eles me contaram que eram irmãos, perguntaram da onde eu era, me mostraram a casa deles quando estávamos chegando em Mandsaur, a casa do diretor da escola que eu estou indo trabalhar, uma placa de anúncio da escola, e um monte de outras coisas que eu não entendi e ficou por isso mesmo. 
Chegamos na casa por volta de meia noite, é uma casa mesmo, de dois andares. A casa é estranha porque ela é muito grande mas muito precária, tem pouquissima mobilia, é muito suja, a cozinha tem uma pia um fogão e só. Vai chegar uma geladeira, descobri isso depois, na hora a cozinha me deixou muito triste, ela tem um cheio ruim.

21/03/2014


Segundo dia na Índia. Hoje foi muito melhor que ontem, ainda assim está sendo muito difícil, to com saudades de casa e da minha família de um jeito que eu nunca esperava ficar. to com muito medo de ficar aqui, e com muita vontade de voltar pro rio, to com saudade da praia, do dois irmãos, de sair de biquíni no Leblon e ir tomar um chopp. To com mta saudade da nina. chega a noite aqui da muito medo, é tudo muito precário, tem muito mosquito, tenho medo de algum bicho me picar e eu não conseguir me curar, ou de alguém invadir a casa e me estuprar, é terrível. É bem desesperador. É uma cidade bem no interior, não tenho internet nem celular nem nenhum jeito de contactar minha mãe e meus amigos. Aqui não da nenhuma vontade de se matar, pelo contrário, da mto medo de morrer. Tem varias coisas que pioram muito a situação, tipo estar incomunicável. Aqui não se usa papel higiênico, e não tem água quente, então toda vez que eu faço xixi ou eu fico suja ou eu tomo banho gelado. Eles aqui usam um baldinho para se limpar, tem uma bica perto da privada, nada de chuveirinho. Na verdade se lavar é bem mais higiênico que se esfregar num papel, mas eu to sentindo mais falta de papel higiênico do que de comida por exemplo. De dia é mais tranquilo que é bem quente, da pra tomar banho na boa, mas a noite esfria pra caramba, é péssimo, ontem acordei no meio da noite pra fazer xixi e não sabia o que fazer, foi desesperador. E gasta-se todo esse tempo indo ao banheiro, quando ir ao banheiro sempre foi uma parada tão simples.  A casa tem dois banheiros, o banheiro do andar de baixo é como se fosse uma privada enfiada no chão, você fica de cócoras pra fazer suas necessidades. eu vi essa privada pela primeira vez no aeroporto de Delhi, o banheiro do aeroporto tinha varias cabines com privadas ocidentais e uma cabine com privada oriental como eles chamam, levei um susto quando vi e pensei HAHA QUE BIZARRO, cheguei na casa e tem essa privada. achei que fosse uma coisa super rara, só uma era assim no aeroporto, pensei que fosse só mais uma opção pra quem prefere, mas nas casas é realmente assim. do lado dessa privada tem aquela parada pequena de limpar privada, tipo uma vassoura redonda, quando você faz coco vc deve ter que limpar a privada, pq não tem água pra ele cair, fica sujo eu acho. GRACAS A DEUS tem um outro banheiro na casa, com privada ocidental, é bastante sujo mas da pra sentar. Acho que o banheiro é a coisa que mais me assusta aqui na casa, é o esquisito que eu não consigo lidar. Rolou uma imagem no facebook recentemente mostrando que essa posição de cócoras é a mais saudável pro intestino, minha mãe e minha vó já me contaram diversas vezes que quando elas eram pequenas na roça banheiro era assim, alias era só um buraco na terra. a Karen está na Tailândia pelo que ela conta o banheiro dela é assim também, acho que era para eu estar lidando melhor com essa historia do banheiro, mas ta sendo péssimo. toda vez que eu sinto vontade de ir ao banheiro fico meio tensa e é absurdo pensar que não tem papel, nunca imaginei um lugar onde nao tivesse papel higiênico. Tai uma ideia pra filme futurista, invés de mudar a cidade e colocar meios de transporte voadores, mudar os hábitos das pessoas, hábitos de higiene, hábitos alimentares, mas nos mínimos detalhes. o banheiro que eu uso por exemplo, ele tem uma privada, um chuveiro e um porta sabonete daqueles de parede. não tem box de chuveiro, não tem chuveirinho de privada, não tem porta papel higiênico, não tem bidê, não tem tapete de banheiro, não tem pia (fica do lado de fora no corredor), não tem prateleira nenhuma, nem armário, nem espelho. fazer qualquer coisa no banheiro da muito trabalho, e eu olho esse cômodo todo vazio e me sinto muito pobre, sem infraestrutura, me deixa triste. A casa é toda assim, meu quarto tem uma cama de solteiro e um armário de metal de duas portas. minhas coisas estão no chão, o computador fica no chão ou na cama, eu fico na cama. aos pouquinhos o quarto está ficando com o meu cheio, isso é muito bom, me faz me sentir mais confortável em meio a tanto desconforto.
Acordei hoje com um marimbondo enorme dentro do quarto, cor de terra bem amarelado, cara de picada muito dolorida. Não sabia como falar marimbondo em inglês, não consegui fazer as pessoas que moram comigo entenderem que bicho era. Tai uma coisa pra entrar pra lista de afazeres antes de viajar, descobrir o nome de todas as coisas que você tem medo na língua local, pra vc conseguir avisar as pessoas se a coisa acontecer com você.
eu preciso ficar calma e ter paciência, ou vai melhorar ou eu vou embora, sem pânico, sem problemas, 30 horas e eu to em casa de volta. eu tenho a sensação de que não vai dar pra ficar aqui não. Talvez a historia o ano que sua mãe passou na Índia e voltou iluminada vire a semana que sua mãe passou na Índia e quase morreu, vai se uma historia mais curta pros meus filhos, mas tudo bem.

A privada
                                                                    

O Banheiro
                                                                   

Relendo esse post eu me senti bem apegada aos meus bens, aos meus habitos e a minha própria cultura. A vida aqui não é dos confortos da civilização ocidental, ela é do trabalho e do tempo. Não tenho nenhuma vontade de usar a privada no chão, me parece abominável, mas é esquisito pensar que ela faz melhor pro intestino, é mais higiênica pro corpo, não gasta água limpa e não produz lixo. É foda tb, estar sozinha aqui faz com que eu me apegue muito mais as minhas coisas e aos meus hábitos, talvez se algumx amigx estivesse aqui comigo a gente estaria passando por esse processo juntxs e eu estaria levando isso com mais bom humor e menos pânico. Mas estar tão longe de casa e de forma tão inacessível é bem desesperador.
testando, testando
julia na india
mayday