Hampi!
Que lugar demais, a cidade é muito calma, é um vilarejo de interior, funciona
menos como uma cidade turística e mais como um vilarejo mesmo, é incrível. Tem
restaurantes com comidas ocidentais e tem lojinhas mas não muitas, não tem
aquele bazar grande na cidade toda, e as pessoas não estão preocupadas com os
estrangeiros, elas estão vivendo a vida delas.
São casas com crianças indo pra escola, as crianças usam uniforme e as
meninas usam tranças elaboradas nos cabelos, as mulheres usam sari e os homens
usam lungi e camisetas sem manga. Tem muitas casas feitas de esterco de vaca, o
processo é bem parecido com o pau-a-pique brasileiro, as paredes são de esterco
com gravetos que formam a estrutura, quando o esterno seca pintam de colorido.
Não entrei em nenhuma casa assim, mas andando pela rua as casas não deixam
cheiro ruim não. A roupa dos homens é incrível, é como um sari masculino, é um
tecido único que amarram em torno da cintura, com 2m eles usam como uma saia
longa e com 6m o resultado final parece uma calça/fralda, é lindo! Sem costura
nenhuma, só enrolações e amarrações. Não sei porque mas o jeito que eles se
vestem é o que me da a sensação de que ninguém aqui liga pra mim, eles estão na
casa deles, na cidade deles. Digo isso porque algumas cidades giram em torno do
turismo de tal forma que não dá pra ter um minuto de sossego, é gente na rua
tentando te vender coisa o tempo todo, motorista de tuktuk te chamando, gente
convidando pra entrar no restaurante, pra alugar bicicleta, pra comprar pacote
de viagem, pra comprar cogumelos mágicos, perguntando de onde você é, crianças
pedindo dinheiro, chocolate caneta, é um inferno. Hampi tem crianças tentando
vender cartões postais de forma exaustiva, mas tirando isso a cidade é bem
tranquila.
É
muito louca a sensação de estar na India agora, é muito diferente do início. Antes
eu tinha a sensação de que nada aqui era real, parecia um mundo paralelo, tudo
parecia tão absurdo, as mulheres de sari, camelo no meio da rua, as vacas, criança
pelada sentada no chão cheio de lixo em volta, esses tuktuks que parecem de
brinquedo. Agora tenho a sensação que as coisas aqui são muito reais, caiu o folclore.
Eu vejo as mulheres de sari ou com outras roupas típicas cheias de jóias e
brincos no nariz e elas não parecem mais ‘típicas’, elas são assim, não precisa
mais de um adjetivo. Perde um pouco a graça mas é legal porque as coisas não
parecem mais exóticas como elas pareciam no início e antes de eu estar aqui,
elas parecem normais, cotidianas. Esses homens com tecido amarrado em torno do
corpo antes me pareciam saídos de um filme muito anacrônico, ou moradores de um
vilarejo muito distante, daqueles que você lê noticias absurdas nos jornais,
como se eles não fossem o normal. A sensação quando eu via eles era de
pitoresco, ‘a índia tem gente vestida assim mas esse não é o comum, o comum é
gente vestida assado’, ideia boba porque não tem assim e assado, mas
enfim. Agora eu olho eles e eles são
absolutamente comuns, a vida deles é assim mesmo, essa é a roupa que eles
passam o dia, eu é que to no vilarejo. A India é um gigante vilarejo cheio de
tradições e costumes e praticas e tantos detalhes. As mulheres assistem novela
de sari, vão ao rio lavar roupa, os homens dirigem motos com lungi, eles vão ao
templo, fumam cigarros locais e se encontram para tomar chá. Antes eu olhava
pra eles e tinha a impressão de que eles estavam com roupa de festa junina,
algo muito típico e tradicional, e que quando você vê você entende o que é mas
sabe que aquilo não é o normal. Agora eu olho eles e eles continuam vestidos de
festa junina, mas eu entendi que isso é o dia a dia deles, não é nada especial
ou fora do normal. Estando nessa vila absolutamente todos os homens se vestem
assim, é assim mesmo a vida deles. É como se tivesse perdido a magia, mas de um
jeito interessante, significou humanizar, eu consigo ver a realidade deles
acontecendo, não é mais algo exótico e distante, me faz sentir que a gente está
coexistindo no mesmo espaço, quando antes eu tinha a sensação de que a gente
pertencia a dois mundos bizarramente diferentes.
As casas
em Hampi tem até dois andares, a maioria das guesthouses fica no segundo andar
das casas, pertencem a família do primeiro andar que fez um puxadinho e abriu
uma guesthouse. A cidade tem monumentos arquitetônicos do século XV espalhados
em todo o entorno, é lindíssimo, antigamente era capital de um reinado, por
isso as construções. Tem muito espaço aberto, da pra ver o céu imenso e um
mundo de coqueiros que vão até o horizonte, muitas pedras, um rio lindo e
enormes plantações de banana. As montanhas de pedras estão organizadas em
posições e equilíbrios muito impressionantes, é uma formação natural que pra
mim parece que choveu pedra por isso elas estão naquelas posições, e parece que
elas vão se mexer a qualquer momento. Tem pilhas de pedras imensas, é muito
diferente, eu nunca tinha visto uma paisagem assim.
Passei
5 noites lá com uma amiga da Grécia, no primeiro dia fomos andar pelas ruinas
locais e ver o templo principal da cidade, dentro do templo tem uma elefanta
que se você der dinheiro ou comida ela bota a tromba na sua cabeça em sinal de
benção, é linda, muitos indianos dao dinheiro pra ela, ela pega o dinheiro com a
tromba, entrega pro cuidador e coloca a tromba na cabeça das pessoas. Vimos um
pôr do sol lindo esse dia.
Virupaksha Temple |
Lakshimi |
No dia seguinte fomos ver Lakshimi a elefanta tomar
banho no rio, quem quiser pode tomar banho com ela e dar banho nela. De tarde
fomos nadar numa parte muito afastada do rio, é uma parte do rio que geralmente
fica de baixo d’agua, então as pedras tem formatos arredondados e marcas da
agua que escorre sempre, é incrível. Precisamos de um guia para encontrar o
lugar, no caminho achamos uma arvore de carambola, foi demais, a Eirini amiga
da Grécia nunca tinha visto carambola. Nos dois dias seguintes fizemos amigos
franceses e alugamos motos, um dia passeamos pelos templos mais afastados e no
outro fomos para o outro lado do rio. O outro lado do rio é ainda mais
interessante, tem muitas plantações de arroz, banana e coco, uma represa
gigante, é muito vazio com algumas casas no meio do nada, visitamos um templo
de Hanuman no alto de um morro, foi preciso subir 500 degraus para chegar.
Lembrei da Igreja da Penha, quando eu voltar pro Rio vou lá. Chegamos no templo
na hora do almoço, os homens que vivem no templo nos convidaram para comer com
eles, foi como em Amritsar, todo mundo
sentado junto no chão e pessoas distribuindo comida em baldes grandes. Foi um
dia incrível com uma sensação de liberdade tão grande e sem preocupações.
No
último dia acompanhei um casal de 82 (ele) e 86 (ela) anos conversando, eu estava
andando na rua e começou a chover (monções), eu corri pra me abrigar embaixo de
uma marquise que na verdade era a varanda da casa deles. Eles estavam sentados
na varada, ambos muito muito velhos com a pele enrugada e corcundas, ele de
bengala, tecido amarrado na cintura, camiseta e uma toalha azul em volta do
pescoço; ela de sari cor de rosa, óculos fundo de garrafa e um olho cego
fechado embaixo do óculos. Por causa da lente o olho aberto parecia enorme e o
fechado quase não dava pra ver. A neta deles me contou que eles sao melhores
amigos um do outro, eles estavam conversando pra caramba, de um jeito bem
idoso, um falava uma coisa e o outro respondia um tempo depois, e ai um ria,
muito legal de observar. Eles combinaram alguma coisa, não entendi nada, no fim
ele levantou falando e saiu andando pra rua muito lerdo de bengala, mas decidido
como se eles tivessem concluído algo como ‘ então eu vou ali comprar verduras e
ja volto’.
No
fim do dia peguei um ônibus e fui embora, e o paraíso Hampi ficou pra trás,
protegido pelo rio e pelas pedras lindas do sul da India.
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