segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Dream Hampi


Hampi! Que lugar demais, a cidade é muito calma, é um vilarejo de interior, funciona menos como uma cidade turística e mais como um vilarejo mesmo, é incrível. Tem restaurantes com comidas ocidentais e tem lojinhas mas não muitas, não tem aquele bazar grande na cidade toda, e as pessoas não estão preocupadas com os estrangeiros, elas estão vivendo a vida delas.  São casas com crianças indo pra escola, as crianças usam uniforme e as meninas usam tranças elaboradas nos cabelos, as mulheres usam sari e os homens usam lungi e camisetas sem manga. Tem muitas casas feitas de esterco de vaca, o processo é bem parecido com o pau-a-pique brasileiro, as paredes são de esterco com gravetos que formam a estrutura, quando o esterno seca pintam de colorido. Não entrei em nenhuma casa assim, mas andando pela rua as casas não deixam cheiro ruim não. A roupa dos homens é incrível, é como um sari masculino, é um tecido único que amarram em torno da cintura, com 2m eles usam como uma saia longa e com 6m o resultado final parece uma calça/fralda, é lindo! Sem costura nenhuma, só enrolações e amarrações. Não sei porque mas o jeito que eles se vestem é o que me da a sensação de que ninguém aqui liga pra mim, eles estão na casa deles, na cidade deles. Digo isso porque algumas cidades giram em torno do turismo de tal forma que não dá pra ter um minuto de sossego, é gente na rua tentando te vender coisa o tempo todo, motorista de tuktuk te chamando, gente convidando pra entrar no restaurante, pra alugar bicicleta, pra comprar pacote de viagem, pra comprar cogumelos mágicos, perguntando de onde você é, crianças pedindo dinheiro, chocolate caneta, é um inferno. Hampi tem crianças tentando vender cartões postais de forma exaustiva, mas tirando isso a cidade é bem tranquila.

É muito louca a sensação de estar na India agora, é muito diferente do início. Antes eu tinha a sensação de que nada aqui era real, parecia um mundo paralelo, tudo parecia tão absurdo, as mulheres de sari, camelo no meio da rua, as vacas, criança pelada sentada no chão cheio de lixo em volta, esses tuktuks que parecem de brinquedo. Agora tenho a sensação que as coisas aqui são muito reais, caiu o folclore. Eu vejo as mulheres de sari ou com outras roupas típicas cheias de jóias e brincos no nariz e elas não parecem mais ‘típicas’, elas são assim, não precisa mais de um adjetivo. Perde um pouco a graça mas é legal porque as coisas não parecem mais exóticas como elas pareciam no início e antes de eu estar aqui, elas parecem normais, cotidianas. Esses homens com tecido amarrado em torno do corpo antes me pareciam saídos de um filme muito anacrônico, ou moradores de um vilarejo muito distante, daqueles que você lê noticias absurdas nos jornais, como se eles não fossem o normal. A sensação quando eu via eles era de pitoresco, ‘a índia tem gente vestida assim mas esse não é o comum, o comum é gente vestida assado’, ideia boba porque não tem assim e assado, mas enfim.  Agora eu olho eles e eles são absolutamente comuns, a vida deles é assim mesmo, essa é a roupa que eles passam o dia, eu é que to no vilarejo. A India é um gigante vilarejo cheio de tradições e costumes e praticas e tantos detalhes. As mulheres assistem novela de sari, vão ao rio lavar roupa, os homens dirigem motos com lungi, eles vão ao templo, fumam cigarros locais e se encontram para tomar chá. Antes eu olhava pra eles e tinha a impressão de que eles estavam com roupa de festa junina, algo muito típico e tradicional, e que quando você vê você entende o que é mas sabe que aquilo não é o normal. Agora eu olho eles e eles continuam vestidos de festa junina, mas eu entendi que isso é o dia a dia deles, não é nada especial ou fora do normal. Estando nessa vila absolutamente todos os homens se vestem assim, é assim mesmo a vida deles. É como se tivesse perdido a magia, mas de um jeito interessante, significou humanizar, eu consigo ver a realidade deles acontecendo, não é mais algo exótico e distante, me faz sentir que a gente está coexistindo no mesmo espaço, quando antes eu tinha a sensação de que a gente pertencia a dois mundos bizarramente diferentes.



Lungi


As casas em Hampi tem até dois andares, a maioria das guesthouses fica no segundo andar das casas, pertencem a família do primeiro andar que fez um puxadinho e abriu uma guesthouse. A cidade tem monumentos arquitetônicos do século XV espalhados em todo o entorno, é lindíssimo, antigamente era capital de um reinado, por isso as construções. Tem muito espaço aberto, da pra ver o céu imenso e um mundo de coqueiros que vão até o horizonte, muitas pedras, um rio lindo e enormes plantações de banana. As montanhas de pedras estão organizadas em posições e equilíbrios muito impressionantes, é uma formação natural que pra mim parece que choveu pedra por isso elas estão naquelas posições, e parece que elas vão se mexer a qualquer momento. Tem pilhas de pedras imensas, é muito diferente, eu nunca tinha visto uma paisagem assim.

Passei 5 noites lá com uma amiga da Grécia, no primeiro dia fomos andar pelas ruinas locais e ver o templo principal da cidade, dentro do templo tem uma elefanta que se você der dinheiro ou comida ela bota a tromba na sua cabeça em sinal de benção, é linda, muitos indianos dao dinheiro pra ela, ela pega o dinheiro com a tromba, entrega pro cuidador e coloca a tromba na cabeça das pessoas. Vimos um pôr do sol lindo esse dia. 



Virupaksha Temple
Lakshimi


No dia seguinte fomos ver Lakshimi a elefanta tomar banho no rio, quem quiser pode tomar banho com ela e dar banho nela. De tarde fomos nadar numa parte muito afastada do rio, é uma parte do rio que geralmente fica de baixo d’agua, então as pedras tem formatos arredondados e marcas da agua que escorre sempre, é incrível. Precisamos de um guia para encontrar o lugar, no caminho achamos uma arvore de carambola, foi demais, a Eirini amiga da Grécia nunca tinha visto carambola. Nos dois dias seguintes fizemos amigos franceses e alugamos motos, um dia passeamos pelos templos mais afastados e no outro fomos para o outro lado do rio. O outro lado do rio é ainda mais interessante, tem muitas plantações de arroz, banana e coco, uma represa gigante, é muito vazio com algumas casas no meio do nada, visitamos um templo de Hanuman no alto de um morro, foi preciso subir 500 degraus para chegar. Lembrei da Igreja da Penha, quando eu voltar pro Rio vou lá. Chegamos no templo na hora do almoço, os homens que vivem no templo nos convidaram para comer com eles,  foi como em Amritsar, todo mundo sentado junto no chão e pessoas distribuindo comida em baldes grandes. Foi um dia incrível com uma sensação de liberdade tão grande e sem preocupações.




No último dia acompanhei um casal de 82 (ele) e 86 (ela) anos conversando, eu estava andando na rua e começou a chover (monções), eu corri pra me abrigar embaixo de uma marquise que na verdade era a varanda da casa deles. Eles estavam sentados na varada, ambos muito muito velhos com a pele enrugada e corcundas, ele de bengala, tecido amarrado na cintura, camiseta e uma toalha azul em volta do pescoço; ela de sari cor de rosa, óculos fundo de garrafa e um olho cego fechado embaixo do óculos. Por causa da lente o olho aberto parecia enorme e o fechado quase não dava pra ver. A neta deles me contou que eles sao melhores amigos um do outro, eles estavam conversando pra caramba, de um jeito bem idoso, um falava uma coisa e o outro respondia um tempo depois, e ai um ria, muito legal de observar. Eles combinaram alguma coisa, não entendi nada, no fim ele levantou falando e saiu andando pra rua muito lerdo de bengala, mas decidido como se eles tivessem concluído algo como ‘ então eu vou ali comprar verduras e ja volto’.

No fim do dia peguei um ônibus e fui embora, e o paraíso Hampi ficou pra trás, protegido pelo rio e pelas pedras lindas do sul da India.






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